quinta-feira, 22 de agosto de 2024

São Paulo, Cais do Sodré (J. M. F. Jorge)

BES      AGÊNCIA DE SÃO PAULO

Como seria de esperar
os dedos eram ágeis, de um caixa bancário.
Foi na transição do euro
suspendiam-se a contar
hesitantes no reconhecimento do papel
moeda
e logo retomavam o balanceio veloz do roubo.

O escudo - disse-me quando terminou - 
  encontrou a morte no espelho. O dinheiro
gosta de morrer.
Por esta altura
assinava o papel que me estendera. Sorri-lhe. E
ainda me disse
    Não tenha grande pena do escudo, o euro
continua a ser do género masculino. Voltei a
sorrir enquanto lhe devolvia a esferográfica.

Do largo de S. Paulo a caminho da taberna
irlandesa do Cais do Sodré, numa velha 
loja de sementes comprei bolbos de
amarílis e de agapanto. Gastei as primeiras 
moedas novas. Depois, com o cheiro da cerveja
preta ao redor, bebi uma água sem gás.

Entrei no comboio; um dia muito límpido de
janeiro; antes de passar a estação de Santos,
formou-se no céu a negra espiral em voo dos
estorninhos              mais veloz que
o contar das notas do caixa, a
nuvem desfez-se nas altas árvores de um jardim,
semelhante ao furor de um tornado que
em turbilhão se afundasse nas águas do Tejo.

João Miguel Fernandes Jorge, Antologia dos poemas, 2019, pp. 126-127

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