quarta-feira, 26 de maio de 2021

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Chiado OU «pôr e tirar Estátuas» OU «a precariedade dos afectos»

- no Bloco da manhã, L., o Príncipe, não o JOG., dizia, hoje, pelas 9 e 30, após «várias ajudas», «hoje não estou inspirado...», face ao excerto - a cores, tal como lhe foi proposto:

[…] Acabaram as férias de Lídia, tudo voltou ao que dantes era, passará a vir no seu dia de folga, […] Numa destas noites Fernando Pessoa bateu-lhe à porta, não aparece sempre que é preciso, mas estava a ser preciso quando aparece, a alguém, Grande ausência, julguei que nunca mais o tornaria a ver, isto disse-lhe Ricardo Reis, Tenho saído pouco, perco-me facilmente, como uma velhinha desmemoriada, ainda o que me salva é conservar o tino da estátua do Camões, a partir daí consigo orientar-me, Oxalá não venham a tirá-la, com a febre que deu agora em quem decide dessas coisas, basta ver o que está a acontecer na Avenida da Liberdade, uma completa razia, […] A mim nunca me levantarão estátuas, só se não tiverem vergonha, eu não sou homem para estátuas, Estou de acordo consigo, não deve haver nada mais triste que ter uma estátua no seu destino, Façam-nas a militares e políticos, eles gostam, nós somos apenas homens de palavras, e as palavras não podem ser postas em bronze ou pedra, são só palavras, e basta, […] Olhe que até há quem exija a retirada do Chiado, Também o Chiado, que mal lhes fez e Chiado, Que foi chocarreiro, desbocado, nada próprio do lugar elegante onde o puseram, Pelo contrário, o Chiado não podia estar em melhor sítio, não é possível imaginar um Camões sem um Chiado, estão muito bem assim, ainda por cima viveram no mesmo século, se houver alguma coisa a corrigir é a posição em que puseram o frade, devia estar virado para o épico, com a mão estendida, não como quem pede, mas como quem oferece e dá, Camões não tem nada a receber de Chiado, Diga antes que não estando Camões vivo, não lho podemos perguntar, você nem imagina as coisas de que Camões precisaria. Ricardo Reis foi à cozinha aquecer um café, voltou ao escritório, foi sentar-se diante de Fernando Pessoa, […]Não consigo habituar-me à ideia de que você não existe, Olhe que passaram sete meses, quanto basta para começar uma vida, mas disso sabe você mais do que eu, é médico, Há alguma intenção reservada no que acabou de dizer, Que intenção reservada poderia eu ter, Não sei, Você está muito susceptível hoje, Talvez seja por causa deste tirar e pôr de estátuas, desta evidência da precariedade dos afectos, […]

«O ano da morte de Ricardo Reis», pp. 425 – 427