domingo, 31 de março de 2024

segunda-feira, 25 de março de 2024

«Vocês pagam», "Levantamento da cidade de Lisboa"; Cravo, M. Velho da Costa

  - Representações, sobretudo, do «Portugal de 74-75», em «IntensaJusta-Posição Estilística»; obra de 76, reimpressa em 94, e agora em 2024, quase 50 anos depois...; 
- Excerto(s) do Bloco «Levantamento da cidade de Lisboa» (pp.129-135)  [sublinhados acrescentados], com «ecos de Fernão Lopes»:

    Vocês pagam. Os meus melhores filhos novos foram levados a sujar-se sem honra, ao engano. As minhas ruas foram silenciadas, os meus emissores de som e de imagem, boca e olhos de ouvir-me, trocados pelos vossos. Abrigo há gerações o que vocês não podem nem querem - faquistas e ciganos e prostitutas velhas, marítimos e crioulos fugidos à fome. Tudo acoitei na minha barriga de ruas salitrosas, calçadas pretas. [...]

Vocês pagam. Tremeram de me ver nua finalmente, coberta de panos vermelhos, a minha gente desfilando com as cabeças, martelos de aço coloridos, o punho no ar, o meu braço faquista finalmente ao léu. Vocês tremeram, daqui ao Oriente que a minha virtude de arejar vos abriu. Vocês tremeram quando os meus filhos de salários de fome e os meus mulatos vos mijaram em foice os palácios que vocês mandaram construir para aa vossas visitas de provincianos ricos. [...]

Todos, todos se calaram perante a minha miséria miúda, a minha crença mentida, os meus flancos de rio industriosos estancados, o tolhimento dos meus bairros de lata, as minhas veias cortadas a doer-se para o Sul, traídas, traídos, porque eu, posta como estava na minha festa tonta, nas minhas renovadas alegres forças, deixei que vocês viessem pela calada esquartejar uma por uma as minhas cabeças de prata, os meus melhores filhos tresloucados de uma outra razão e audazes. Vocês pagam. [...]

Maria Velho da Costa, Cravo (1976), 2024, pp. 131-133

- «Revolução e Mulheres», DEZ, 75, entre as pp. 129-135; dito por Sara Barros Leitão, em «O teatro também se lê»

domingo, 10 de março de 2024

Loreto (Rua do) + «Nativos. precisa-se» (MEC)

 - para D., «nativo» de dali perto, foi sempre uma Rua de «passagem» entre Chiado-Camões-Chagas-Bica e também a do «cinema Ideal» (15-17); 

- Entrevista-Reportagem sobre os despejos versus «turistificação», a propósito do «regresso» de Exposição da Fotógrafa Luísa Ferreira

RECORTE(s):

Luísa Ferreira: “Foi como se tivesse ido levar os meus pais ao monte”
[...]  Imagino que tenha sido um período muito difícil...
Curiosamente, os meus pais não se exprimiam muito. As outras pessoas do prédio andavam muito nervosas. Os meus pais também andariam nervosos e tristes, mas não expressavam muito isso. Fotografei o meu pai da última vez que foi ao cabeleireiro, à Barbearia Campos [entretanto, encerrada], ali ao lado da Benetton [no Chiado]. Fotografei a última vez que estiveram os dois sentados no [Largo de] Camões. Algumas coisas assim. Era o tipo de imagens que fazia sem a intenção de mostrar.
[...]
No texto da exposição, fala de uma cidade sem rosto. Consegue identificar o que é que está a acabar e o que é que está a começar na cidade?A maior parte do que está a começar são coisas que nem me apetece entrar lá. Quando falo em cidade sem rosto, quero referir-me a outra coisa: passo pelas pessoas na rua e já não reconheço ninguém. Já quase não há espaços onde se entra e se reconhece alguém. Com os turistas não há relação, estão de passagem. Portanto, não há afectividade, não há memória, não se estabelece uma ligação.Há muitas lojas a abrir e a fechar rapidamente. E na Baixa é só lojas de pastéis de nata, uma invasão do pastel de nata, abrem uns em cima dos outros.. [...]

- Crónica de M. E. C., de 24 -03: «Nativos, precisa-se» [...]