terça-feira, 18 de julho de 2023

A Lisboa «fácil de abarcar», da Menina de Parma

8 / Lisboa é fácil de abarcar. Já vivo nela há muitos anos. Cheguei para estudar, e depois para lá viver. Vejo-a do alto de cada vez que a sobrevoo de avião. Deslaça-se e contorce-se sobre edifícios grandes e periclitantes, abre-se em pequenas rotundas, hospitais e bibliotecas que são como blocos de cimento no meio do trânsito. Às vezes chegamos a voar do Sul e assaltamos a cidade pelo lado do rio, pela ponte vermelha, pela margem fervilhante de gente. Às vezes chegamos do Norte ou do Nordeste e atravessamos o ar das periferias desfiadas, voamos tão baixo que podemos ver as pessoas às janelas, os pátios com as cadeiras cá fora, os terraços com a roupa a secar. Ao longe, a ponte Vasco da Gama parece um fio fino de pastilha elástica que se alonga de uma margem à outra, de um lábio ao outro. Lisboa cabe toda ali, apertada entre a periferia e o rio. E cresce em altura, sobre as colinas. Mesmo quando se apanha o cacilheiro, até à margem sul, ela cabe num olhar, de uma só vez com a sua fachada cimeira, aquela mais exposta, a mais pomposa e superficial. Podemos abraçá-la inteira num olhar breve, de Santos ao Panteão, e mais além.. Os seus primeiros e segundos planos, as ruazinhas verticais, as esquinas aguçadas. Parma, por sua vez, é inabarcável. [...]

                         Serena CacchioliDemasiado estreita, esta morte, 2023, p.19

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