sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

João do Rio (praça) - Manuel Alegre

PRAÇA JOÃO DO RIO
OU 
O SEGUNDO POEMA DO PORTUGUÊS ERRANTE

Lisboa é esta praça com árvores e com pássaros
melros piscos toutinegras rouxinóis
e barcos inconcretos nos telhados onde
o azul do céu é já um mar do avesso
um reflexo do Tejo ou talvez um
pressentimento de ocidente ocaso Cabo Raso
um navegar só verbo em navio nenhum.
Lisboa é esta janela de onde vejo
tudo o que não se vê que é o que há mais
em Lisboa onde se vê mesmo sem ver o Tejo
e onde cada varanda é sempre um cais.
Lisboa é esta praça e esta janela
minha nau capitânia sobre o insondável
dentro de casa eu vou de caravela
Bartolomeu Dias neste mar inavegável
não há Índia perdida que não possa ser achada
Lisboa é esta praça e esta viagem
esta partida mesmo se parada
este embarcar no azul até chegar àquela margem
em cuja linha só o abstrato pensamento passa
a margem única e absoluta não mais que pura imagem
sem precisar sequer sair da Praça
João do Rio número onze quarto direito
onde eu Ulisses vou à proa
além de qualquer cabo e qualquer estreito
em Lisboa por dentro de Lisboa.


Manuel Alegre, Livro do Português Errante, 2001, D. Quixote, pp. 39, 40

Inscrito na pedra - imagem do Sítio da C. M. - DAQUI

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